quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Nada importava…

A luz da aurora matinal trespassava as árvores e deslizava pelas janelas do 5º andar do Hotel Açores em Lisboa. Daquele lugar, presenciávamos o atarefado começo do dia dos habitantes lisboetas, assim como o esplendoroso aterrar dos aviões no aeroporto.
Naquela solarenga manhã de Verão, estava na capital, na tentativa de realizar um sonho de criança. O “casting” do programa “Uma Canção Para Ti” aguardava a minha prestação. Eufórica, levantei-me da cama, olhei pela janela, suspirei e pensei: “Mas que lindo dia!”. Depois de um quente banho, dei por mim a olhar para diversas peças de roupa, sem saber com a qual me apresentar perante o júri. Acabei por escolher uma ao acaso, pois afinal, todas eram boas. Depois da higiene habitual, desci até ao rés-do-chão, onde um delicioso pequeno-almoço me esperava. Comi, e de seguida voltei ao quarto.
De novo no 5º andar do hotel, voltei a olhar de relance pela janela. Avistei um buraco profundo, que parecia a toca de um qualquer animal selvagem. Olhei mais atentamente e apercebi-me que um monte de cartões e jornais o cobria. Um cão franzino e sujo rondava aquela zona e eis o meu espanto quando do fundo daquele buraco, trespassando o tecto feito de cartões, saem dois homens. Umas barbas grandes e cinzentas camuflavam dois rostos tristes, muito tristes, diria eu. As roupas sujas e o aspecto débil mostravam a sua paupérrima condição de subsistência. Os seus únicos haveres seriam uma pequena quantidade de sacos pretos que se juntava ao lado do que afinal, era a sua casa.
Sentei-me na cama e um turbilhão de questões me assolou: "Quem seriam aqueles dois homens desprezados pela sociedade? Qual seria a sua história de vida? Seriam pessoas instruídas? O que os teria levado até àquelas condições?" Pensei... Na minha existência, na sorte que tenho de ter uma família que me educa, instrui e ama melhor que ninguém. Analisei as minhas acções daquela manhã e deparei-me com a sensação de que afinal as minhas preocupações não tinham qualquer importância. Não importava a cor ou o feitio da peça de roupa, mas sim ter uma. Não importava a água ser quente ou fria, mas sim ter água. Não importava comer muito ou pouco, mas sim ter o que comer.
Fui para o “casting” com a certeza de que sou pequena, pequena demais para compreender toda esta injustiça social. Mas que sou grande o suficiente para fazer algo que ajude a combatê-la.


Ana Jorge Alcaide Ferreira, nº4, 10ºC

1º Encontro de Escolas Católicas da Diocese de Aveiro

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